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O brincar é uma prática universal na infância que tem como seus componentes o prazer e a diversão. Pensando no desenvolvimento humano podemos dizer que o brincar é um conjunto de habilidades muito importante e que vai além da recreação. Através dele é possível estimular diversas áreas do desenvolvimento como a motora, de comunicação e linguagem, socioemocional, cultural e cognitiva que poderão ser observadas nos comportamentos de contato visual, vocalizações, imitação com ou sem objetos, imitações vocais, esperar a sua vez realizando as trocas de turno, seguir comandos, tolerância à frustração, controle inibitório, entre outras. Como podemos ver, durante o ato de brincar podemos adquirir diversas habilidades.

Para muitas crianças, aprender a brincar é um fenômeno natural e não é necessária nenhuma estratégia de ensino específico para este comportamento. Porém, sabemos que os indivíduos com o diagnóstico de Transtorno do Espectro Autista (TEA) tem como uma de suas características o interesse restrito e padrões estereotipados ou repetitivos do comportamento que, podem afetar a habilidade de brincar. É muito comum, logo na primeira infância observarmos preferência por outros tipos de objetos, como por exemplo, um controle remoto ou uma tampa de panela e quando observado o interesse por brinquedos, as crianças com TEA, se aterem mais por algum detalhe (ex: roda do carrinho) do que pelo brinquedo em si.

Devido a isso, na maioria das vezes será necessário ensinarmos a criança com TEA a brincar. Na intervenção ABA, o supervisor irá analisar diferentes estratégias de ensino para o brincar a partir do repertório da criança, planejar um treino específico para esta habilidade e acompanhar continuamente o seu desenvolvimento.

O primeiro passo para estimularmos o brincar em crianças com TEA é sabermos do que ela gosta. Então, se a criança parece não se envolver em atividades lúdicas, uma sugestão seria avaliar sistematicamente quais tipos de brinquedos despertam algum ou maior interesse, por meio de uma avaliação de preferência. Esta avaliação permite que adultos apresentem brinquedos novos e observem a reação da criança frente a eles, registrando quanto tempo a criança o explora, como é feita essa exploração, se há iniciativas de compartilhar a atenção e o brinquedo com outros, etc. A partir desses dados, o adulto pode demonstrar formas de como brincar com esses itens de maior preferência da criança.

Se ao apresentar diversos brinquedos diferentes, a criança com TEA apenas demonstrar interesse por aqueles que fazem referência ao seu hiperfoco podemos usar esse interesse restrito ao nosso favor na estimulação do brincar.  Por exemplo, uma criança que tem alto interesse por meios de transporte pode ser exposta a brincadeiras que contenham este tema como em jogo da memória, dominó ou blocos de montar. Podemos adaptar uma brincadeira com Lego® e o hiperfoco em meio de transporte colando metade de uma imagem de um carro em uma peça e a outra metade em outra peça para que a criança ao encaixá-las, forme a imagem completa. Outra ideia seria brincar de boliche onde imagens de carro, avião, caminhão, entre outros, estejam grudadas no pino e ao derrubá-los a criança poderá nomear qual é o meio de transporte do pino que caiu (lembrando que a exigência na brincadeira dependerá do repertório que a criança apresenta).

Outra forma de tornar este momento mais interessante para a criança é apresentar um brinquedo menos preferido e, imediatamente após pequenas interações ou tentativas de brincar com tal item, oferecer uma tarefa ou item altamente preferido, seguindo o Princípio de Premack. Este item de alta preferência poderá servir como uma consequência reforçadora.

Vale ressaltar que o brincar envolve diversas etapas e deve ser programado de forma gradual, conforme o repertório da criança, podendo ser dividido em pequenos alvos até que a criança consiga brincar como esperado. Por exemplo, ao incentivarmos a criança a brincar de blocos podemos ensinar a montar pequenas estruturas, seguindo pela cor ou tamanho. Gradativamente, pode-se aumentar o número de blocos até com que a criança consiga montar bonecos, carros, casas, etc. Mas lembre-se que não há regras no brincar, nem certo e errado. Se o adulto colocar muitas condições para este momento, ele poderá perder seu brilho e a criança ficar desmotivada. A pessoa que irá brincar com a criança com TEA deverá ser um mediador na interação criança-brinquedo. O segredo é seguir a liderança e o interesse da criança, dessa forma ela estará mais disponível a querer aprender algo com o outro.

Outra dica é garantir que o ambiente esteja favorável para o brincar como organizar o local com poucos estímulos distratores (televisão, barulhos, objetos em excesso, etc.), fazer uso de um ou poucos brinquedos por vez evitando assim a concorrência entre eles, focar a atenção para aquele momento e para aquela criança (evite se distrair com celular ou conversas paralelas), mantenha os brinquedos ao seu controle, dessa forma você será aquele que fornecerá os itens legais e assim a brincadeira com você será mais interessante do que brincar sozinho. E se conseguir, evite itens que tenha que tirar do acesso da criança, preferindo aqueles que tem seu fim “naturalmente” como bolhas de sabão, jogos com início e fim (pula pirata, quebra-gelo, boliche).

 

O brincar além de divertido traz muitos benefícios. E aí, vamos brincar?

 

Fontes:

Albuquerque, A. C. P. F. C de & Andrade, F. M. da C. (2015). Receitas de brincadeiras: a arte de desenvolver vários tons de azul!. Recife: o Autor.

Baker, M. J. (2000). Incorporating the thematic ritualistic behaviors of children with autism into games: Increasing social play interactions with siblings. Journal of positive behavior interventions2(2), 66-84.Blanc, R., Adrien, J. L., Roux, S., & Barthélémy, C. (2005). Dysregulation of pretend play and communication development in children with autism. Autism9(3), 229-245.

Boutot, E. A., Guenther, T., & Crozier, S. (2005). Let’s play: Teaching play skills to young children with autism. Education and training in developmental disabilities, 285-292.

Deris, A. R., & Di Carlo, C. F. (2013). Back to basics: Working with young children with autism in inclusive classrooms. Support for Learning28(2), 52-56.

Ralabate Doody Ph D, K. (2014). How to Use Play as a Teaching Tool for Children with ASD.

Tullis, C. A., Cannella-Malone, H. I., Basbigill, A. R., Yeager, A., Fleming, C. V., Payne, D., & Wu, P. F. (2011). Review of the choice and preference assessment literature for individuals with severe to profound disabilities. Education and Training in Autism and Developmental Disabilities, 576-595.Baker, M. J. (2000). Incorporating the thematic ritualistic behaviors of children with autism into games: Increasing social play interactions with siblings. Journal of positive behavior interventions2(2), 66-84.

Michele Sayulli Matsumoto

Psicóloga graduada pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e mestre em Análise do Comportamento Aplicada (ABA) pelo Paradigma Centro de Ciências do Comportamento. Possui especialização em Educação Inclusiva e Deficiência intelectual pela PUC-SP e especialização em Análise do Comportamento Aplicada (ABA) aos Transtornos do Espectro do Autismo e atraso do desenvolvimento pelo Paradigma Centro de Ciências do Comportamento. Atuou na área escolar com crianças com desenvolvimento atípico e também como acompanhante terapêutico (AT) na residência de crianças com TEA. Psicóloga supervisora na clínica Nexo Intervenção Comportamental, atuando com pessoas com transtornos de desenvolvimento e supervisão de profissionais.

Nexo Intervenção Comportamental